O passado

A palavra laboratório, do latim laborare (trabalhar) e –orium (local para realizar esse trabalho), pode também ser lida como uma conjunção das palavras labor (trabalho), orare (orar) e –orium, pelo menos se olharmos para as suas versões alquímicas, desde Geber no século VIII a Newton e Boyle no século XVII.

Dos laboratórios alquímicos aos laboratórios de ensino universitário da Química

A palavra laboratório, do latim laborare (trabalhar) e –orium (local para realizar esse trabalho), pode também ser lida como uma conjunção das palavras labor (trabalho), orare (orar) e –orium, pelo menos se olharmos para as suas versões alquímicas, desde Geber no século VIII a Newton e Boyle no século XVII. Na Alquimia, os laboratórios e fornos tinham grande importância, tentando acelerar o aperfeiçoamento para o qual a Natureza tendencialmente caminharia. Robert Boyle, um alquimista, sugeriu por exemplo que as experiências deveriam ser realizadas aos domingos, numa espécie de culto divino. As implicações morais da Grande obra, com uma parte sólida e uma parte líquida, responsáveis pela transmutação do chumbo em ouro e pelo aumento da longevidade, exigiam do alquimista também uma transmutação, pelo que a experimentação devia seguir-se à oração, misturando espiritualidade e materialidade (Crosland, 2005). No trabalho “Amphitheatrum Sapientiae Aeternae'” por Heinrich Khunrath (1605), o alquimista é representado em oração num oratório, muito próximo da zona de experimentação com todos os seus dispositivos.

Nos laboratórios alquímicos a primazia era dada à experimentação face à investigação teórica da Natureza, com ênfase no trabalho manual e recorrendo a materiais e instrumentos, em contraste com o ensino universitário dos currículos das Humanidades, que privilegiava a aprendizagem a partir dos livros e de lições magistrais por professores. O baixo estatuto do trabalho manual era uma perceção habitual nas universidades nos séculos XVI e XVII, evidente no comentário de Thomas Hobbes sobre o estatuto menor dos homens práticos, como boticários, jardineiros ou mecânicos rudes (Crosland, 2005).

Nestes espaços era possível encontrar um forno, combustível, fornecimento de água, uma pia, frascos, retortas, substâncias rotuladas, bancadas de trabalho ou estantes para armazenamento. Eram também essenciais a iluminação, a ventilação, o isolamento e a limpeza, com recurso por exemplo ao chão de pedra ou mesmo terra para evitar incêndios.

Um laboratório não tem de integrar pelo menos três características dos objetos naturais:

“(…) primeiro, não tem de lidar com um objeto como ele é, podendo substitui-lo por versões parciais e transformadas. Segundo, não tem de acomodar o objeto natural onde este se encontra, ancorado num ambiente natural; as ciências laboratoriais trazem os objetos para ‘casa’ e manipulam-nos nos seus próprios termos, no laboratório. Terceiro , uma ciência laboratorial não precisa de acomodar um evento quando este acontece; pode dispensar ciclos naturais de ocorrência e fazer eventos acontecer de forma mais frequente de forma a permitir o seu estudo continuado . Claro que a história da Ciência é também uma história de oportunidades perdidas e sucessos variáveis em alcançar estas transições. Mas deve ficar claro que não ter de confrontar os objetos na sua ordem natural é epistemologicamente vantajoso na busca científica; a prática laboratorial envolve o distanciamento dos objetos do seu ambiente natural e a sua instalação num novo campo fenomenológico definido por agentes sociais.” (Knorr-Cetina, 1999, p. 27, tradução livre).

Estas características revelaram-se fundamentais nos aspetos utilitários do conhecimento alquímico, apoiando a transição para o conhecimento químico no século XVII.

Os laboratórios de ensino universitário da Química

Algumas universidades começaram a incluir laboratórios de Química nos seus programas, tais como a Universidade de Altdorf, próxima de Nuremberga.

A Real Academia de Ciências em Paris inaugurou o seu primeiro laboratório químico em 1668, com diversos fornos, bancadas e armários com instrumentos, utilizados em particular para a análise química de plantas por destilação. Na mesma altura, Louis XIV declarou ilegais todos os laboratórios não controlados por professores de Química, médicos ou boticários.

Na ascensão da Química no séc. XVIII, Macquer, no seu dicionário de Química (1771, 1778), define algumas linhas orientadoras para a construção de laboratórios:

“(...) embora alguns laboratórios de química tenham sido construídos em celeiros, tal não é aconselhável devido à humidade. Esta situação tem um efeito negativo em muitos produtos químicos, etiquetas em frascos, e em aparelhos no geral, especialmente nas suas partes metálicas. Considerando o assunto da ventilação, propõem-se duas grandes aberturas em extremos opostos da sala para fornecer um fluxo de ar para remover vapores nocivos. Deve existir uma lareira, tão grande quanto possível, coberta a uma altura suficiente de forma a permitir que o operador passe por baixo (…) As paredes do laboratório devem ser bem fornecidas com prateleiras para produtos químicos e instrumentos. Deve haver uma fonte de água e se possível, uma pia. Ao centro do espaço deve estar uma mesa grande, funcionando como bancada de trabalho. Uma vez que os fornos exigem um fornecimento constante de carvão, e o pó deixa tudo sujo, deve existir um reservatório de carvão fora do laboratório.” (Crosland, 2005, p. 244, tradução livre).

A Química torna-se uma das mais importantes ciências, em termos de mão-de-obra e instalações. Se uma Universidade tencionava ensinar a Química, tinha necessariamente de oferecer laboratórios destinados tanto a investigação como a ensino, eventualmente associados a outros espaços, como jardins botânicos, para preparação de medicamentos a partir de plantas aí cultivadas, como o de Herman Boerhaave na Universidade de Leiden no séc. XVIII.

A Química era estudada como adjunta da Medicina enquanto disciplina universitária no século XIX. Inicialmente, os alunos não participavam totalmente em atividades de experimentação, sendo comuns as demonstrações por professores. A bancada de demonstração, de certa forma semelhante às bancadas dos teatros anatómicos para observação de dissecações de corpos, era um dos elementos característicos dos espaços para o ensino da Química, associados aos laboratórios propriamente ditos, como é o caso dos complexos que incluem os Laboratorios Chimicos portugueses da Universidade de Coimbra e da Escola Politécnica de Lisboa, ou como tão bem ilustra a caricatura de James Gillray sobre as novas descobertas na Pneumática na Royal Institution.

Na Alemanha, no entanto, com a institucionalização do grau académico de Philosophiae Doctor, atividades originais de experimentação passam a ser realizadas por estudantes (Anderson, 2009). Justus Liebig, na Universidade de Giessen, nas décadas de 1820 e 1830, foi um dos defensores do ensino da Química através da prática no laboratório, influenciando a visão de várias universidades europeias sobre esta matéria.

A “laboratorização” dos espaços escolares a partir do cânone do Laboratório Chimico da Universidade de Coimbra

O Laboratorio Chimico da Universidade de Coimbra, resultado da reforma do Marquês de Pombal no final do século XVIII, baseou-se no modelo da escola médica de Viena, influenciada pela escola de Leiden de Boerhaave. Este laboratório fazia parte de um complexo maior dedicado ao ensino de Ciências, incluindo um teatro anatómico, dispensário farmacêutico, jardim botânico, observatório astronómico, gabinetes de Física e História Natural, e museu de Ciências Naturais (Casaleiro, 2009).

Os gabinetes foram um termo usado por vezes para caracterizar um laboratório portátil a partir do séc. XVIII, contendo uma colecção de equipamentos, reagentes, material de vidro, entre outros (Crosland, 2005). O cabinet de physique do Abade de Nollet, por exemplo, consistia numa sala com estantes para arrumar instrumentos e uma mesa para realizar experiências.

Estes gabinetes seguiam uma tradição desde os primeiros gabinetes de curiosidades, os Wunderkammer, salas reunindo coleções de objetos naturais ou artificiais, geralmente propriedade dos ricos e poderosos ou de cientistas, por vezes considerados os precursores dos museus (Crosland, 2005).

O estabelecimento dos laboratórios, anfiteatros e gabinetes no ensino universitário da Química foi seguido da “laboratorização” do ensino das Ciências nos Liceus, um conjunto de disciplinas que ganhava cada vez mais espaço num já apertado currículo.

A reforma de Passos Manuel de 1836 e a institucionalização da Ciência nos Liceus

Em 1836, a reforma de Passos Manuel criou os primeiros Liceus, um esforço de alargamento da educação de nível secundário na escola pública. Os objetivos definidos para esta reforma realçavam os seus aspetos utilitários, reforçando um currículo prático-científico, orientado para as necessidades do mercado de trabalho e para o avanço material do país (do Ó, 2009, p. 23). As disciplinas científicas incluídas neste currículo foram “Principios de Chimica, de Physica e de Mechanica applicados ás Artes e Officios” e “Principios dos tres Reinos da Natureza applicados ás Artes e Officios” correspondendo grosso modo às atuais disciplinas de Física, Química, Biologia e Geologia, com a disciplina de Geografia incluindo temas relacionados com Geologia (Ministério do Reino, 1836).

A participação do reitor da Universidade de Coimbra na reforma de Passos Manuel e a substituição do Real Colégio das Artes pelo Liceu de Coimbra mantendo a sua relação com a Universidade (Moniz, 2007), poderá explicar a especificação de espaços liceais ligados às Ciências no documento legal, como uma Biblioteca, um Laboratório de Química, um Gabinete com três divisões associadas às “Applicaçoes da Physica e Mechanica, Zoologia e Mineralogia”, um “Jardim experimental destinado ás applicaçoes da Botanica” e um museu (Ministério do Reino, 1836).

Um percurso rápido pelos conceitos de espaços escolares de nível secundário para as disciplinas científicas em Portugal desde o início do século XX

Após a institucionalização das disciplinas científicas nos currículos, governos sucessivos tiveram, entre outras preocupações, a de fornecer espaços específicos para a sua lecionação. São abordadas de seguida as características essenciais dos vários modelos destes espaços nos principais planos de construção escolar no século XX, partindo da construção dos primeiros Liceus. Estes aspetos estão resumidos na seguinte tabela, abordando as características gerais do plano de construção e alguns dos seus pressupostos, a tipologia de espaços para as Ciências de um Liceu considerado representativo do plano de construção, uma planta geral e algumas imagens representativas.

Os primeiros Liceus – Liceu Passos Manuel, Lisboa (1882-1911)

Tipologia de edifício: Projeto original do arquiteto José Luís Monteiro, revisto em 1907 por Rosendo Carvalheira. Clara influência francesa (Lycées) de tipologia em U (ou em pente), com o pátio como elemento central, rodeado por galerias dando acesso às salas, facilitando a ventilação e iluminação natural. Ênfase no ginásio, em linha com as preocupações higienistas contemporâneas (Moniz, 2007; Alegre, 2009)

Tipologia de espaços para as Ciências: Anfiteatro com gabinete de professores anexo, e sala para arrumo de equipamentos de demonstração; Museu de História Natural com gabinete de preparador anexo; Gabinete do professor e vestíbulo de entrada para o museu e gabinete; Gabinete de Física para estudantes; Laboratório de Química para estudantes com laboratório do professor anexo; Museu de Física com gabinete de preparações e do preparador anexos.

  

Os Liceus modernistas dos anos 1930 – Liceu Diogo de Gouveia, Beja (1937)

Tipologia de edifício: Projeto do arquiteto Cristino da Silva, com dois eixos perpendiculares com 3 corpos distintos, rodeando um pátio exterior. O Movimento Moderno manifesta-se no uso de novos materiais, como o concreto reforçado, volumes geométricos puros sem elementos decorativos, ou na tipografia Art Déco dando o nome ao Liceu sobre a entrada principal. (Alegre, 2009)

Tipologia de espaços para as Ciências: Anfiteatro; Gabinete de Física; Gabinete de Química; Gabinete de Ciências Naturais; Museu de Ciências Naturais; Aquário; Estufa; Anexos (Nóvoa & Santa-Clara, 2003, p. 106)

  

 

Plano de 38 – Liceu Sá da Bandeira, Santarém (1943-1944)

Tipologia de edifício: Projeto do arquiteto José Costa e Silva, implementando o Programa Geral para a Elaboração dos Projetos dos Liceus, resultado da normalização da linguagem arquitetónica e urbanística pelo Estado Novo, servindo os ideais nacionalistas e historicistas através de uma arquitetura monumental. (Alegre, 2009; Parque Escolar, 2010)

Tipologia de espaços para as Ciências: Museu; Anfiteatros; Laboratório de Física; Gabinete de balanças; Câmara escura; Depósito de material de Física; Gabinete de ótica e Anexo; Depósito de material de Química; Gabinete de preparações; Laboratório de Química; Sala de Ciências Geográfico-naturais (JCETS, 1940)

 

Plano de 58 – Liceu Nacional de Cascais (1964)

Tipologia de edifício: 2.º projeto normalizado dos Liceus de Cascais e Vila Nova de Gaia, pelo arquiteto Augusto Brandão, estabelecendo uma nova organização pavilhonar. A ênfase em pedagogias de aprendizagem ativa materializa-se em espaços comuns para atividades de aprendizagem nos próprios pavilhões, eliminando corredores de circulação, bem como no mobiliário, móvel, leve e empilhável quando possível para facilitar a reorganização do espaço. Houve um aumento no número de laboratórios em detrimento dos anfiteatros, considerados demasiado “passivos”, sendo referidas também as hortas pedagógicas. (Alegre, 2009)

Tipologia de espaços para as Ciências: Anfiteatro; Laboratório de Física; Salas de preparação; Câmara escura; Sala de arrumação; Laboratório de Química; Sala de armazenamento de reagentes; (Nota: os espaços relacionados com as Ciências Naturais não foram consultados)

  

Os Liceus Tipo de 1968 – Liceu Nacional de Almada

Tipologia de edifício: Baseado no estudo “Projecto Normalizado para Liceus-Tipo” liderado pela arquiteta Maria do Carmo Matos, este modelo suporta novas perspetivas pedagógicas, novos sistemas de construção e materiais, reduzindo custos e tempo de construção pela repetição de elementos e pela facilidade de adaptação a diferentes terrenos. Com uma organização por blocos, sendo o bloco B é dedicado aos espaços especializados das Ciências, reforçando a integração de teoria e prática e com a Matemática. Bloco organizado por dois pisos, com um pátio exterior. (Alegre, 2009)

Tipologia de espaços para as Ciências: 2 salas para o ensino teórico e prático de Física; 2 salas para o ensino teórico e prático de Química; 2 salas para o ensino teórico e prático das Ciências Naturais; 1 sala para o ensino teórico e prático de Geografia; 1 laboratório para o ensino de Física e gabinete anexo; 1 laboratório para o ensino de Química e gabinete anexo; 1 laboratório para o ensino de Ciências Naturais e gabinete anexo; 1 anfiteatro; Gabinete para reunião dos professores do núcleo; 2 câmaras escuras; Instalações anexas (arrecadação de material didático, oficinas de reparação de material) (MOP, 1968)

  

Projetos de construção escolar no pós 25 de abril – Escola Secundária Anselmo de Andrade (1986)

Tipologia de edifício: Uma equipa liderada pela arquiteta Maria do Carmo Matos e pelo engenheiro Victor Quadros Martins produziu o “Estudo Base para a Elaboração dos Projectos de Execução de Instalações para Escolas Preparatórias e Secundárias” (197677), que definiu o modelo de programação de espaços e tipologia baseado na construção industrial. Em 1978, a Direção Geral para as Construções Escolares desenvolve o conceito de “Família de Soluções” a ser aplicado no design de Escolas Preparatórias e Secundárias. No início da década de 1980, para além dos projetos de construção especiais, surge o modelo 3 × 3, compacto ou monobloco, com elementos préfabricados. A partir de 1986, com a publicação da LBSE, o Ministério da Educação assume a responsabilidade pela construção escolar, delegando-a para as DRE (Alegre, 2009)

Tipologia de espaços para as Ciências: Laboratório de Química; Laboratório de Física; Laboratório de Biologia e Geologia; Salas de preparação e armazenamento, com áreas específicas para reagentes; Sala de balanças; Câmara escura; Sala de Ciências gerais; Sala anexa à sala de Ciências gerais: Biotério