Novelas gráficas pedagógicas

O conceito de novelas gráficas pedagógicas foi desenvolvido no projecto de investigação Atitudes, expectativas e práticas nos novos laboratórios escolares. Explica-se de seguida este conceito, mostrando-se um exemplo no final.

Os dados capturados durante a nossa investigação para análise de actividades de ensino e aprendizagem encontravam-se geralmente espalhados em múltiplos formatos, em cadernos de campo, gravações áudio, fotos, cópias em papel, documentos digitais, tornando a sua integração difícil e a análise morosa. Apesar das ofertas de aplicações QDAS (Qualitative Data Analysis Software),  o fluxo de trabalho e os produtos intermédios e finais desse processo de integração mostraram-se inadequados na nossa investigação, tendo em conta a nossa visão sobre profundidade de análise, ética, participação e desenvolvimento profissional de professores. Para obter um nível de análise que pudesse ser útil a professores e alunos, tornou-se necessário desenvolver uma outra meta-ferramenta, user-friendly, simples de usar durante uma aula (ou antes e depois), fácil de aprender, e cujos produtos fossem facilmente manipuláveis por professores e aluno sem formação em investigação com QDAS.

O trabalho de Millar (ver referência Millar, 2010, na página Referências) não teve a preocupação de capturar actividades para análise posterior, fornecendo listas de verificação para preencher durante ou após uma aula de ciências. Para ajudar a pensar no que uma meta-ferramenta que cumprisse estes fins podia ser, numa visita à NARST Annual Conference em 2015, contactámos com o projecto  STeLLA (Science Teachers Learning from Lesson Analysis, Roth et al., 2011), que usava captura de vídeo e posterior edição para produzir um resultado para análise de aula tanto por professores como por formadores de professores.

Os programas de análise de prática fornecem referenciais situados e significativos aos quais os professores são sensíveis,  apresentando fidelidade perceptual, cognitiva e comportamental (a nível de conteúdo, PCK, gestão de aula, métodos de ensino) e criando oportunidades para  reflexão e metacognição sobre a actividade de ensino. Roth (2011), baseada na literatura sobre programas de análise de prática, afirma que estes:

  1. Permitem aos professores observar aspectos relacionados com conteúdo e ensino integrados em contexto real de sala de aula;
  2. Envolvem os professores em inquéritos colaborativos e a longo prazo de análise de prática;
  3. Abordam o conteúdo como central e interligado com a pedagogia;
  4. Focam-se em conteúdos específicos do currículo que os professores realmente ensinam;
  5. Organizam este tipo de programas em torno de uma teoria de aprendizagem profissional.

As limitações óbvias de inquéritos em tempo real  das actividades de ensino e aprendizagem exigem o uso de artefactos de prática como por exemplo trabalhos de alunos, resultados de avaliação, planos de aula, notas ou vídeos de aulas. Com estes artefactos, torna-se possível desacelerar a actividade, revisitá-la múltiplas vezes e com múltiplas lentes e transformá-la no sujeito de análise fora da sala de auala (Roth, 2011, p. 118).

Seguindo esta linha, e apesar da sua ênfase em desenvolvimento profissional, um dos primeiros protótipos produzidos integrou vídeo de aula e notas do observador, recolhidas com dois dispositivos móveis (tablet e smartphone). Estes dois sinais eram enviados sem fios para um computador que gravava o ecrã, e se necessário, documentos usados durante a aula. O resultado era assim um vídeo de ecrã qu combinava 1) vídeo e áudio de uma câmara de smartphone, 2) o ecrã de um tablet, mostrando uma aplicação um registo de notas onde o observador fazia os seus registos em tempo real, e eventualmente 3) um documento aberto relacionado com o momento da aula.

Rapidamente se percebeu que o esforço e número de pessoas envolvidas neste tipo de captura e análise de actividade não era adequado aos objectivos do projecto de investigação:

O tipo de dados e o fluxo de trabalho com o processamento intensivo que o vídeo exige, para além da equipa e do tempo necessário à sua análise eram demasiado exigentes para um uso diário;

A produção de um produto prático deste tipo de análise que permitisse comunicar e reflectir com os participantes demorava demasiado tempo, ficando pronto demasiado tempo depois da aula;

O formato para comunicar a actividade como a respectiva análise para uma audência maior era apenas digital, ignorando o formato em papel.

Este fluxo de trabalho foi posto de lado e desenvolvemos algumas alternativas, seguindo ideias baseadas em registos anteriores de actividades de sala de aula.

Em 2010 teve lugar uma acção de formação de professores de ciências a nível nacional para cerca de 110 professores que já leccionavam ou iriam leccionar em breve nas escolas intervencionadas pela Parque Escolar’s. Essa acção intitulava-se "Utilização dos novos laboratórios escolares" e um dos seus objectivos era o de redesenhar actividades comuns nas salas de aulas de ciências do país (Martins, et al, 2002), transformando-as em actividades de aprendizagem activao. Uma das actividades propostas exigiu aos formandos que produzissem um protocolo, apenas com fotografias e breves descrições apenas para o professor, de uma actividade prática ou laboratorial, que mais tarde seria usado em aula, para que os alunos pudessem inferir o protocolo passo a passo, o material, equipamento e reagentes necessários, favorecendo práticas de inquérito que ligassem o domínio dos observáveis ao domínio das ideias (Millar, 2010).

Mais tarde, numa observação de aulas em uma das escolas intervencionadas (Escola Secundária de Pedro Nunes, em Lisboa), de forma a comunicar a outros professores a dinâmica de actividades nos novos laboratórios, produzimos um registo fotográfico da aula, combinando as fotos com breves explicações das acções representadas, num formato próximo do storyboard.

Com o objectivo de alargar o mesmo rationale a outras actividades que não essencialmente práticas, laboratoriais ou esperimentais, e de forma a facilitar a produção e disseminação destes storyboards, fizemos algumas experiências com registos fotográficos de aulas, mais tarde processados com filtros de imagem para anonimizar os participantes, que eram depois compostos graficamente num formato de matriz 4 por 4, com uma nova camada de informação sobre a dinâmica dos participantes e o seu uso do espaço, objectos e outros recursos de aula.

O rationale inicial para esta matriz era o de que poderia facilmente comunicar a interacção entre professores alunos, objectos e espaço numa página, seria um formato económico e fácil de produzir e ler para aulas de 45-60 minutos, e que poderia ser impresso em 2-3 páginas, com cada página representando cerca de 30 min. de aula. Pensámos que seria um formato útil para comunicar os aspectos essenciais de uma aula a outros professores que usassem o estúdio de aprendizagem de ciências. Contudo, exigia ainda demasiado tempo para a sua composição e algumas competências intermédias a avançadas para a sua produção.

O conceito de storyboard acabou por ser revisto e comparado com outras alternativas. Acabámos por criar o conceito de novela gráfica pedagógica para este contexto da educação em ciências. Pedagógica pelo seu foco em actividades de ensino e aprendizagem; Gráfica pela tentativa de manter alguma fidelidade perceptual à actividade de ensino e aprendizagem; E novela pela conceptualização de Bakhtin (1982; 1990) como género literário altamente adaptável devido à sua ausência de cânone e que favorece uma relação dialógica e estética entre o autor e o seu herói.

A definição prelimiar proposta é a seguinte: Novelas gráficas pedagógicas são representações de actividades de ensino e aprendizagem intencionais, com um certo grau de fidelidade perceptual, real ou simulada, que tornam explícitas as acções, trajectórias e resultados dessas actividades.

Após reflexão neste conceito mais alargado, imaginámos várias aplicações:

  1. Registo simples de aulas por alunos e professores, podendo servir depois de oportunidade para prática reflexiva ou melhoria do ensino e aprendizagem;
  2. Registo e análise de actividades por investigadores, pares, estagiários, professores, formadores e formandos;
  3. Comunicação de pedagogias baseadas em investigação;
  4. Materiais de comunicação de design de actividades e respectivos resultados e análise.

Foi então necessário desenvolver um fluxo de trabalho suficientemente simples para sincronizar os diferentes tipos de dados (notas, fotos, audio/video e ficheiros), permitir uma análise rápida e gerar um produto flexível, mantendo uma natureza participativa e colaborativa na sua concepção e análise.

Depois de várias tentativas, chegámos a uma hipótese de trabalho. O primeiro passo envolve fornecer a um aluno um tablet com acesso à Internet e dar-lhe algumas instribuções para fazer o registo da actividade da aula, recolhendo para isso fotos e escrevendo breves descrições para cada uma numa página num bloco de notas digital do Microsoft OneNote. Um investigador ou outro tipo de participante estariam sincronamente na mesma página a observar o registo, se necessário a corrigi-lo, dando feedback ao aluno sobre a qualidade e relevância do registo e gravando o áudio da aula, que ficaria sincronizado com as fotografias e notas tiradas.

No final da aula, o produto poderia ser rapidamente revisto com o aluno, recortando-se depois as imagens no OneNote de forma a focar elementos das fotografias, compondo-as depois num formato de novela gráfica, usando para isso o modelo de página e vinhetas produzido para o efeito.

Estando o audio sincronizado com as descrições e fotos feitas pelo aluno, quando o áudio era reproduzido na aplicação, o texto correspondente era destacado, e vice-versa, como pequenos botões play por parágrafo, fornecendo assim, se necessário, dados para uma análise mais profunda da actividade. Foram também criadas hiperligações de partes desta novela para recursos associados à aula e recolhidos noutros formatos (pequenos vídeos, ficheiros PDF, documentos digitalizados, apresentações electrónicas) , ou para transcrições de diálogos, dando mais detalhe à novela gráfica se necessário.

Este primeiro rascunho da novela, feito por nós, foi depois editado colaborativamente com a professora depois da aula. Foram feitas correcções de sequência, recortes de fotografias e descrições, identificando-se também alguns aspectos que poderiam ser levantados numa fase de discussão da actividade com os alunos, recorrendo à novela, tendo em vista os objectivos de aprendizagem da mesma (medição de quantidades físicas e cálculo da densidade relativa de um metal conhecido, comparando o valor com o valor teórico esperado, algarismos significativos, desenvolvimento de procedimentos correctos no laboratório na manipulação de materiais e equipamentos, tipos de erros e organização de dados).

Na aula após este processo de edição colaborativa, a novela foi projectada para a turma, e colectivamente analisada e revista, centrando-se a discussão em vinhetas específicas. Durante a discussão, foram feitas mais alterações à novela.

Este fluxo de trabalho terminou com a publidação da novela em PDF e papel, tendo como autores o aluno, a professor, s investigadores e a turma.

Pode consultar em seguida duas novelas gráficas produzidas desta forma:

Ficheiros